[SEM_ÁUDIO] Olá, meu nome é Renata Maria de Almeida Martins. Eu sou professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, a FAUSP, e sou coordenadora de projeto na FAPESP, também na FAUSP, chamado Barroco Cifrado, faço parte do grupo Tempo, Memória e Pertencimento do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Olá, eu sou o Luciano Migliaccio. Sou professor de história da arte da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Eu também faço parte do grupo de pesquisa Memória e Pertencimento do Instituto de Estudos Avançados. Vamos apresentar o módulo 'As artes nas missões jesuíticas: pluralidade cultural e mundialização' no quadro do curso 'Visão da história das missões jesuíticas nos territórios Guarani'. As missões da Companhia de Jesus estiveram presentes todas as regiões do mundo que entraram na órbita da Igreja e das monarquias católicas na América, desde o Canadá até o Chile. Na Ásia, desde a Índia até o Sri Lanka, a China, o Japão. Na África, desde o Congo a Angola. A ação missionária da Companhia caracterizou-se pela capacidade de assimilação e adaptação às culturas locais. Os Jesuítas aprenderam as línguas dos povos com que entraram contato. Muitos casos, criaram dicionário, estabeleceram normas de escrita, fizeram descrições etnográficas e históricas. No curso desse processo, tornaram-se mediadores entre a cultura dos países católicos europeus e aquela dos povos originários, promovendo intercâmbios de conhecimento todos os campos das ciências naturais, a tecnologia, as artes plásticas e decorativas. Esta aula vai apresentar breve panorama das complexas interrelações no setor artístico, tendo como foco principal a América Latina e, particular, o Brasil. A ação religiosa e cultural da Companhia de Jesus desenvolve-se no âmbito do amplo processo da primeira mundialização. Entre meados do século 15 e finais do século 16, navegadores europeus estabeleceram novos circuitos comerciais transoceânicos, que substituíram os antigos caminhos terrestres do extremo oriente até o mediterrâneo e conectaram Europa, África, América e Ásia. A rota transatlântica portuguesa, saindo do porto de Lisboa, alcançava as bases comerciais de Goa e Macau, o sudeste asiático, o Japão, passando pelo litoral Nordeste do Brasil, Recife, Salvador até Rio de Janeiro, da costa atlântica e índica da África, Congo, Angola, Moçambique. A rota espanhola do pacífico conectava Sevilha a Manila, nas Filipinas, aos portos da costa leste da Nova Espanha, isto é, o México e do Panamá e do vice-reino do Peru. Lisboa e Sevilha eram, por sua vez, as pontes direção à Antuérpia e à Gênova, os maiores portos comerciais do Mar do Norte e do Mediterrâneo. Ao longo destas rotas viajavam matérias-primas, mercadorias de luxo, objetos de arte, e, infelizmente também seres humanos escravizados destinados a serem explorados nas plantações de cana e nos engenhos de açúcar do Brasil e das Antilhas. Surgiu, então, mercado global que artistas japoneses adaptavam os seus preciosos produtos e envernizados de laca e folheados de ouro, as demandas do público das elites coloniais europeias e americanas que procuravam a representação dos hábitos e dos trajes exóticos das mais distantes partes do mundo. A chamada arte Nambaa, ou dos Bárbaros do Sul, como os japoneses chamavam de forma pejorativa os ocidentais. Entre os objetos mais requisitados haviam os biômbos, no japonês, Byobu. Pintados com vistas de portos e naus carregadas de novas mercadorias europeias, chinesas, indianas, de animais exóticos, e até os jesuítas fechados seus trajes pretos de ostentosos e vulgares fidalgos portugueses, viagens de marinheiros hindus e africanos governando as gigantescas embarcações com manobras habilidosas. Os Jesuítas adotaram os trajes e os hábitos das elites sociais e religiosas da China, da Índia e do Japão ao fim de facilitar a compreensão e a difusão da doutrina Cristã. Ao mesmo tempo, promovendo o uso e a circulação global das imagens impressas, criaram representações dos povos asiáticos que marcaram o imaginário europeu. Por sua vez, favoreceram a criação de imagens que reuniam as iconografias tradicionais do cristianismo com aquelas da religião Budista, a efígie de Nossa Senhora com o menino, por exemplo, foi interpretada à luz daquela de Guanyin, personificação da compaixão nas narrativas do budismo chinês. Goa, a imaginária sacra portuguesa foi transformada conforme as preferências estilísticas dos cultores indianos, dando vida à figurações híbridas, como o Menino Jesus do Monte, que o redentor é representado como pastor na pose do Buda, meditação, cima de uma montanha, símbolo da superação da vida terrena. Tais esculturas tiveram grande difusão global pelas habilidades dos artífices asiáticos trabalhar com marfim, material muito raro e precioso no ocidente, sinônimo de durabilidade, de esplendor e de nobreza. Por tais motivos, as imagens sacras de marfim foram massivamente importadas na América colonial. No Galeão de Manila, das Filipinas, chegaram toda a América Central e Meridional das Índias, de Goa, chegaram no Brasil. Aqui, essas cobiçadas imagens indianas foram imitadas osso, madeira e terracota pelos artistas locais, dando origem a importantes escolas regionais de imaginária. Por outro lado, a circulação nas missões jesuíticas de de livros ilustrados impressos provocou também a introdução de novas formas artísticas de origem europeia, particular a emblemática e arquitetura pintada. O tratado do jesuíta italiano Andrea Pozzo, intitulado 'Perspectiva Pictorum et Architectorum', isto é, 'A Perspectiva dos Pintores e dos Arquitetos', de 1689, foi parcialmente traduzido até na China já no começo do século 18, causando acalorado debate entre os pintores fascinados pelos novos gêneros, como o retrato, a técnica ilusionista pelos artistas italianos, franceses e portugueses e os partidários da tradição que consideravam recursos baratos frentes à posição muito elevada que a pintura, a caligrafia e a poesia possuia na educação das elites. Os Jesuítas favoreceram ainda a difusão, sobretudo junto à classes menos elevadas, alvo da sua ação de conversão, das gravuras do envagelho ilustrado do padre Gerónimo Nadal. Composto por inspiração de Santo Ignácio e publicado 1593 pela editora Plantin-Moretus, da Antuérpia, responsável pela produção e comercialização de boa parte das imagens impressas dos percursos comerciais da época. A obra coletiva, que contou, possivelmente, com a acessoria de Peter Paul Rubens, contém 153 estátuas criadas por importantes artistas italianos e flamengos, como [INCOMPREENSÍVEL], [INCOMPREENSÍVEL] e [INCOMPREENSÍVEL]. E gravadas por especialistas da família [INCOMPREENSÍVEL]. As imagens serviram de fontes e modelos para os pintores locais na Ásia e, sobretudo, na América colonial. Os libertários de ornamentos impressos serviram de fontes também para talha dos retábulos. Os primeiros exemplos conservados no Brasil, os da igreja do [INCOMPREENSÍVEL] do Rio de Janeiro e da igreja de São Lourenço dos Índios, Niterói, datáveis à terceira década do século 17, foram executados, possivelmente, por ateliê do Porto ou de Lisboa, na base de leituras estilísticas. Seus desenhos são inspirados nas ilustrações dos tratados de arquitetura de Sebastiano Serlio, do francês Jacques Androuet du Cerceau, do espanhol Juan de Arfe y Villafañe, e nos extravagantes desenhos decorativos de Hans Vredemans de Vries, que de Antuérpia circularam na Península Ibérica. Os libertários para decoração de objetos e bordados e tecidos também tiveram uma importante função como modelo ornamental nas missões. Mas é muito mais difícil documentar a sua circulação e difusão devido ao desgaste e ao desperdício que este tipo de gravura, muito usado nos ateliês e nas oficinas, teve ao longo do tempo. >> Centros principais dos intercâmbios entre artistas europeus e locais foram as oficinas, que surgiram todos os territórios das missões da companhia, dirigidas por mestres irmãos coadjutores oriundos da Península Ibérica, da Itália, de Flandres, das regiões Católicas da Europa, com Bavária, Áustria, Tirol, Boêmia, eram formadas por artistas asiáticos, ameríndios, africanos, mestiços, às vezes, escravizados, que deram aporte original dos seus conhecimentos técnicos e das suas tradições artísticas na interpretação e na adaptação de modelos da arte religiosa europeia, que circulavam amplamente graças a facilidade de reprodução permitidas pelas estampas no complexo processo de transculturação. A igreja do Colégio de Salvador da Bahia, o mais importante da província jesuítica do Brasil, é exemplo das diversas componentes da arte da companhia durante o período colonial. O conjunto foi reformado a partir da década de 1670, após a consolidação definitiva da Independência de Portugal da monarquia espanhola. Na sacristia, se encontra altares de mármores polícromos e importados de Gênova, ao lado de azulejos branco, amarelo, verde e azul vindos de Portugal, assim como os lavabos de pedra de lioz. Mestres marceneiros da companhia, indígenas, realizaram os valiosos arcazes de ébano e casca de tartaruga utilizando técnicas tanto ameríndios, quanto asiáticas, conforme gosto aclimatado na Europa pelos mercantes holandês. As preciosas pinturas sobre cobre incluídas nas molduras dos arcáses foram executadas ateliês romanos de seguidores de Pietro da Cortona, como o toscano Lazzaro Baldi, muito ativo para o rei e os Jesuítas de Portugal. O teto ilustra o projeto da companhia por meio dos retratos dos seus santos e dos seus mártires nas diversas partes do mundo. Emolduradas de motivos tirados de repertórios impressos de grotescas, nos quais aparecem pássaros, animais e plantas americanas, e a figura mitológica de Orfeu, ali símbolo do poder civilizatório da palavra e da música. >> Já na pintura do forro da Sacristia da Igreja do Seminário de Belém da Cachoeira, a pouca distância de Salvador, realizada por volta de 1720, o arquiteto francês Charles Belleville, que havia trabalhado durante 10 anos na corte chinesa de Pequim, retomou as decorações coloridas dos pavilhões da cidade proibida. Ele desenvolveu programa ilustrando o [INCOMPREENSÍVEL] Florete Flores, isto é, Floreai Flores, extraído do cântico de Salomão, fundindo a tradição da pintura de flores chinesas com o simbolismo floreal dos livros de emblemas jesuítas. O apreço pelos objetos de luxo asiáticos refletiu-se também na produção tradicional dos povos ameríndios envolvidos nas missões da companhia. As cuias, recipientes de uso ritual e cotidiano daquelas populações, feitos de casco da cuieira por mulheres indígenas do baixo Amazonas, usando vernizes extraídos de plantas locais, pela semelhança com a láquea preta da China, foram ornadas com motivos da mesma origem e comercializadas na Europa. >> A oficina do Colégio de Santo Alexandre, de Belém do Pará, dos principais da província jesuítica do Maranhão, na regiâo amazônica, foi outro exemplo muito importante dos intercâmbios artísticos ocorridos nas missões. Os artistas indígenas, possivelmente, sob a direção do [INCOMPREENSÍVEL], e ativo colégio de Vienna, antes de ir à Amazônia como missionários e de outros escultores portugueses realizaram toda a talha da igreja do colégio. Desta, como vemos na imagem, formam parte dois púlpitos excepcionais pelas dimensões e pelo desenho no panorama da arte das missões jesuíticas brasileiras. Sua tipologia lembra, possivelmente, o mobiliário litúrgico esculpido das igrejas austríacas e seus ornamentos são imagens alegóricas derivados das figuras da iconografia de Cesare Ripa, manual editado na Itália, 1593, de grande circulação no mundo católico. No colégio, Atual Museu de Arte Sacra de Belém do Pará, estão conservados também dois anjos tocheiros madeira, obra documentada de artífices indígenas e despertou a admiração do padre jesuíta João Daniel pela habilidade técnica e a facilidade da sua execução sem desenhos ou modelos prévios. >> No teto da Sacristia da Igreja de Belém e da outra da Casa Colégio de Vigia, as pinturas representam emblemas louvor, respectivamente, no nome de Jesus e de Maria. As imagens e as inscrições combinam de forma engenhosa. Diversas fontes impressas nos livros de emblemas já citados que os jesuítas editaram e adotaram amplamente como instrumento de educação literária religiosa nas suas escolas, durante muito tempo, o principal meio de formação das elites coloniais da América portuguesa. Os casos expostos documentam, ainda que de maneira concisa, tendo como referência, sobretudo, o Brasil, a função das missões jesuíticas como centro plural de intercâmbios entre tradições artísticas diversas, dando vida a uma primeira globalização cultural no contexto das profundas contradições geradas pelo contato entre diferentes sociedades e visões do mundo. >> Muito obrigada pela atenção de todos. Esperamos que tenham achado a aula instigante e interessante. >> Obrigado. [SEM_ÁUDIO]